O direito é uma ciência essencialmente conservadora e, relativamente, fechada. Introduzir conceitos provenientes de outras ciências ou filosofias pode ser vista pelos operadores do direito como algo excepcional e que deve ser tratado com toda cautela. Felizmente, isso vem mudando e, cada vez mais, temos testemunhado um direito mais permeável e receptivo a novas ideias.
Afinal, o direito é uma ciência que precisa evoluir e ser questionada de tempos em tempos, justamente para que possa acompanhar a dinâmica das relações.
Ainda é pouco perceptível, mas existe uma força surgindo na direção de uma justiça mais pacífica. Acredito, fortemente, na radical diminuição da judicialização dos conflitos nas próximas décadas. Primeiro, porque não existe mais confiança e segurança no sistema de resolução de conflitos disponível hoje no mundo. Segundo, porque as pessoas têm, aos poucos, despertado para um maior nível de conscientização e entendimento sobre os seus verdadeiros interesses e necessidades, que nem sempre precisariam ser defendidos judicialmente.
Em breve, não fará mais sentido transferir ao Estado (via Poder Judiciário) a responsabilidade de decidir conflitos que poderiam ser facilmente dirimidos por diálogos construtivos e eficazes, entre as próprias partes, com ou sem a ajuda de advogados. Já está em curso uma verdadeira reavaliação das nossas relações conflituosas e é neste contexto que surge a importância, para o direito, do método da Comunicação Não-Violenta (CNV), aprofundado e difundido no mundo contemporâneo pelo psicólogo norte-americano Marshall B. Rosenberg (1934-2015), e que vem sendo aplicado em mais de 60 países (incluindo o Brasil), há mais de 40 anos.
Esse método partiu de uma genuína curiosidade do Dr. Rosenberg de explorar as verdadeiras causas da violência e identificar como a escalada dos conflitos poderia ser interrompida. A sua intenção era disseminar rapidamente as habilidades de pacificação de conflitos na esfera pessoal, profissional e política.
Sua principal função era fortalecer a capacidade de conectar as pessoas pela paz, incentivando o diálogo, diminuindo a violência e criando harmonia nas relações interpessoais.
Em teoria, deveríamos nos relacionar sempre partindo de um lugar de paz, compaixão, verdade e clareza. O método de CNV propõe uma autoanálise para que nos lembremos disso. Temos que ter em mente a importância de nos expressarmos de forma vulnerável, sem crítica ou julgamento, revelando nossos verdadeiros sentimentos, interesses e necessidades.
A CNV é considerada uma metodologia de transformação e melhoria de relacionamentos promovida pelo diálogo respeitoso, sustentada pela honestidade, transparência e autenticidade na forma de se comunicar. O processo da CNV abre a possibilidade de uma escuta sem ruídos. Devemos nos ouvir – e ouvir os outros – com a mente silenciosa e o coração aberto.
Na essência, a CNV promove o restabelecimento da conexão emocional entre as pessoas, com o uso da empatia, encorajando a atenção plena e a presença para focar no profundo entendimento dos sentimentos e das necessidades humanas não atendidas nas relações conflituosas.
Essa reformulação do modo pelo qual nos comunicamos em um cenário litigioso pode nos proporcionar a construção de acordos mais sustentáveis.
O método CNV surge como alternativa viável e disponível a todos aqueles envolvidos na gestão de conflitos. Pode ser vista como uma nova competência a ser assimilada pelos profissionais de direito, auxiliando-os a navegar pelo complexo processo de pacificação de conflitos por meio de diálogos autênticos.
Vale lembrar que o Código de Ética e Disciplina, instituído pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, trata das regras fundamentais a serem observadas pelos advogados. O artigo 2 dispõe que o advogado é indispensável à administração da Justiça e é defensor da paz social. Para muitos pode parecer estranho, mas, na teoria, o advogado exerce, sim, uma função de pacificação na sociedade. Isso é reforçado no inciso VI, do mesmo artigo 2, segundo o qual o advogado tem o dever de estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
Assim, o advogado poderia se inspirar nos conceitos da CNV, aplicando uma comunicação mais empática, autêntica e sem prejulgamentos, baseando-se nas verdadeiras necessidades, interesses e pleitos dos litigantes envolvidos.
Quanto maior a capacidade de construir a ponte entre os conhecimentos jurídicos e as necessidades intrínsecas às relações humanas, maiores serão as chances de evitar o ajuizamento de ações judiciais.
A CNV demonstra que, com a melhoria da comunicação entre os litigantes, introduzindo empatia, cooperação e escuta ativa, os profissionais do direito estariam ainda mais preparados para gerir os conflitos de modo pacífico e respeitoso, mesmo que em condições adversas.
A CNV serviria como um incentivo a esses profissionais a se apropriarem desse conhecimento para desenharem um novo modelo de pacificação de conflitos, sem a necessidade de se socorrer da força, coerção ou agressividade. Com isso, seria possível estabelecer um diálogo não-agressivo, atendendo, de modo mais eficaz, as necessidades e os interesses dos litigantes.
Com empatia, o profissional da advocacia passaria a transmitir maior segurança às partes, deixando-as confortáveis nas suas vulnerabilidades, permitindo uma conexão mais significativa.
O mecanismo da CNV também prega a necessidade de flexibilidade e criatividade. À medida em que o conflito se desdobra, as percepções e as atitudes dos litigantes podem passar por mudanças que, por sua vez, podem vir a modificar os seus comportamentos, seus discursos e sua comunicação em relação ao outro.
A comunicação não-violenta vem ensinar o direito a transformar julgamentos em entendimentos.
Mesmo em um cenário de opiniões divergentes, é viável que os atores envolvidos nos litígios passem a perceber o outro de forma empática e com respeito mútuo, desenvolvendo o espírito de confiança, compreensão e cooperação. Combater a comunicação disfuncional ajudaria a expurgar grande parte dos conflitos existentes na atualidade.