Entre todos os vários “Chief Officers” criados nos últimos tempos, parece que ainda não foi ventilada a hipótese da criação do “Chief Dispute Prevention Officer” (CDPO), uma figura inovadora, de extrema utilidade para a condução dos negócios das empresas.
Embora as vantagens da prevenção de disputas sejam inúmeras (economia de recursos financeiros, preservação das relações com os parceiros comerciais e manutenção da integridade reputacional corporativa), são raras as empresas que possuem políticas e programas destinados a esse propósito.
Segundo informações divulgadas pelo Comitê de Prevenção de Disputas do CPR (International Institute for Conflict Prevention & Resolution) durante o encontro de maio de 2022, menos de 2% das empresas entrevistadas na pesquisa implementam práticas de prevenção de litígios.
Não há, de fato, uma real preocupação com o assunto, muito embora as cifras envolvidas em disputas (judiciais, arbitrais e administrativas) possam ser significativas. Há poucos estudos e pesquisas a respeito do efetivo custo que as empresas brasileiras despedem anualmente com os seus processos.
Mas em 2016, o escritório Amaral Yazbek preparou um estudo sobre o “Custo das Empresas para litigar judicialmente”.
Ali, foi estimado que as empresas brasileiras teriam desembolsado um total de R$ 157 milhões com processos judiciais naquele ano.
Segundo o relatório “Justiça em Números” divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2022, o total de processos em tramitação no Judiciário brasileiro em 2021 foi de 77,3 milhões (equivalente ao número de habitantes da Alemanha), com um crescimento de 10,4% em relação a 2020.
Com todos esses expressivos números, parece evidente que algo precisa ser repensado. As próprias empresas brasileiras poderiam tomar a iniciativa de desenvolver a “cultura do não litígio”, que poderia ser liderada por uma pessoa destacada dentro da própria companhia, cuja função seria exclusivamente pensar formas de evitar os conflitos ou, se não for possível, de solucioná-los de modo mais eficiente e justo possível.
O CDPO seria, portanto, o ponto focal para concentrar todo tipo de controvérsia enfrentado pelas demais áreas de negócios da companhia, comprometendo-se a propor alternativas de solução para aquele conflito, em particular, de forma customizada.
Como o CDPO conheceria a cultura, os números e as pessoas da empresa, bem como os seus parceiros de negócio, a proposta de solução que seria apresentada por ele/ela certamente seria mais adequada e eficiente, aumentando as chances de resolução.
Essa função de prevenir brigas, entretanto, não seria apenas reativa, ou seja, não se limitaria aos casos em que a companhia já identificou como um real conflito. Além dessas situações postas, o CDPO também trabalharia preventivamente, de modo a antecipar situações que potencialmente se tornariam brigas.
Prevenção, na essência, precisa ser pensada estrategicamente e aplicada muito antes da eclosão do conflito. Assim, uma das tarefas do CPDO seria justamente trabalhar ao lado da área de contratos para revisar as cláusulas padronizadas e elaborar cláusulas claras, objetivas e justas, alinhadas com a legislação em vigor e a jurisprudência dominante, buscando sempre refletir a verdadeira intenção das partes.
Outro exemplo, seria trabalhar em parceria com a área de contencioso (ou com advogados externos), para refletir sobre as reais chances de êxito da tese jurídica aplicada ao conflito, fazendo uma avaliação prévia para concluir se, ao final do processo, haveria ou não um ganho de causa com base em uma tese jurídica sólida e suportada por provas robustas.
Além disso, o CPDO certamente agregaria valor sugerindo formas alternativas para a resolução do conflito, afastando o entendimento distorcido de que todo conflito deve, necessariamente, evoluir para processos no Poder Judiciário. Por fim, o CPDO também poderia extrair as “lessons learned” (lições aprendidas) dos processos em que a companhia se envolveu no passado, corrigindo condutas e revendo as melhores práticas, como forma de não repetir os mesmos erros no futuro.
Litigar, portanto, deve ser tratado como exceção, não como regra, e isso deve começar a ser debatido na agenda corporativa.
Trata-se de uma questão de governança e responsabilidade institucional, até mesmo porque os acionistas devem prezar pela mitigação de riscos e danos, sempre no melhor interesse da companhia. Iniciar ou se defender em um processo é uma atitude que não pode ser banalizada ou adotada sem a devida reflexão estratégica. A decisão por litigar ou não deve ser tratada com seriedade e responsabilidade, assim como tantas outras decisões institucionais tomadas na dinâmica empresarial.
Os efeitos de uma briga não são apenas aqueles que conseguimos mensurar, como os gastos processuais e honorários advocatícios. Vão muito além. Como se mede, por exemplo, o impacto reputacional de uma empresa envolvida em um litígio que expõe, por exemplo, uma briga entre sócios, divulgando ao público fatos que podem abalar as suas imagens pessoais e institucionais.
O International Institute for Conflict Prevention & Resolution (CPR) instituiu um “Compromisso de Prevenção de Disputas para Relações Comerciais”, que foi ratificado por empresas como Microsoft, Visa e Shell, que se comprometeram, institucionalmente, a incorporar mecanismos de prevenção de disputas com o intuito de preservar suas relações comerciais.
Dentre esses compromissos estão a incorporação nos contratos de cláusulas de negociação e mediação (escalonadas) e a utilização de terceiros neutros para auxiliar na resolução dos conflitos. Esse compromisso institucional seria uma excelente iniciativa de prevenção que o CPDO poderia passar a incorporar na cultura das empresas, com a definição de metas e adoção de ações para reduzir a litigiosidade empresarial.